segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Sobre mortos e lembranças


É véspera do dia 31 de outubro, o dia que como se sabe é o Samhain, na raiz do moderno Halloween; ou Calan Gaeaf entre os galeses que me pegaram em sua magia céltica desde que verti para o português seus versos dos túmulos. Isso foi em 2013. Desde então estou enfeitiçado, "não sou mais dono do meu coração", como diz Maiakovsky. Ele, meu coração, está em algum lugar nas costas do Mar Irlandês sob o tremeluzente estandarte de Y Ddraig Goch, o dragão vermelho de Arthur ap Uther. E é, voltemos à data, o dia em que as fronteiras se tornam diáfanas e os mortos podem caminhar novamente junto a nós, viventes.

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Pensamento soltos


Quatro e meia da manhã e ouço os metais de Fela Kuti ressoarem na cabeça. Mais sutil e concreto é o canto do passsarinho lá fora, até hoje desconheço a espécie mas faz um "fiuiii fiuiii" ritmado sempre a essa hora da madrugada. Conhecemos pouco as aves, males da nossa criação urbana, engaiolada, tecno-cinza e nano-gris. Sou entusiasta da modernidade mas esse fato não é algo que se negue. A meta, entendo eu, deve ser a do espaço sideral sem a perda de contato com o chão, e então me recordo de Maiakóvski em "A propósito disto", capítulo "O amor", sobre o pai ser o Universo e a mãe a Terra —  e ninguém menos que isso.

sábado, 1 de junho de 2019

De sonhos e poemas


Há algum tempo, sobretudo desde que meu filho nasceu, durmo pouco, algo entre quatro a cinco horas por noite. Um médico decerto teria arrepios com isso -e obviamente falo como leigo- mas dormir me parece algo como uma perda de tempo, um período de inatividade por horas (até oito se formos seguir a recomendação à risca!) que poderia estar sendo melhor aproveitado para o lazer, a leitura, o sexo etc. Eu diria mesmo -reitero que sou apenas um diletante- que tais horas de sono são péssimas do ponto de vista evolutivo, haja vista a vulnerabilidade diante de predadores e o desperdício de um tempo que melhor seria usado na busca de alimento. Como quer que seja, são demandas fisiológicas. Rendamo-nos a elas, pois, e extraiamos o que vem junto com o sono: o sonho. Trago à baila aqui o poema de Leminski: "A vocês, eu deixo o sono./ O sonho, não./ Esse, eu mesmo carrego".

terça-feira, 26 de março de 2019

Faroeste dos cínicos


O carinho que nutro pelo gênero western remonta a diversos momentos da pré-adolescência: comprei uma "Tex" na banca da esquina da Barata Ribeiro com Santa Clara para ler na viagem que faríamos a Aracaju, terra da família materna. Com a acessibilidade dos voos domésticos hoje em dia parece surreal se deslocar do Rio de Janeiro ao Nordeste por ônibus, de dia e meio a dois na estrada, mas era comum na época. Haja chão, portanto, e eis-nos munidos de gibis diversos para suportar a monotonia do trajeto. A viagem em si era um cenário de "Tex", Arizona ou Colorado remoto, mato, subidas e descidas, terra. E enquanto o ônibus rolava pela poeira da BR, Tex Willer era emboscado pelo astuto apache. Ao término da viagem Aracaju também era em si, é claro, um Oeste distante para um menino da zona sul do Rio de Janeiro, já às portas do semi-árido nordestino e com suas ruas de chão batido, início dos anos 90.

terça-feira, 5 de março de 2019

Por que o Iluminismo não foi a era da razão



Inaugurando o blog, traduzo abaixo -fonte ao final- um texto sobre um tema que me é muito caro: as Luzes, das quais, como marxista, sou tributário. O autor sustenta a tese de que o período não foi o de uma apologia à razão fria, ao contrário do que o senso comum deixa transparecer.

A imagem que ilustra o post, utilizada no texto original, é "Un dîner de philosophes" ("Um jantar de filósofos"), por Jean Huber (1772).

Por que o Iluminismo não foi a era da razão

Henry Martyn Lloyd

Do outro lado do Atlântico grupos de intelectuais fizeram uma convocação para a guerra. A cidadela sitiada a ser defendida, afirmam, é a da ciência e da política baseada em fatos e evidências. Esses cavaleiros do progresso -como o psicólogo Steven Pinker e o neurocientista Sam Harris- condenam o aparente ressurgimento da paixão, emoção e superstição na política. Eles dizem que a base da modernidade é a capacidade humana de controlar forças disruptivas de forma racional e com a cabeça fria. O que precisamos é dar um "reboot" no Iluminismo, portanto.