quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O rosto de pedra e visões no espelho


É ainda escuro quando desperto. O sono fugiu para longe apesar de minhas tentativas de agarrá-lo pelos calcanhares, batendo suas asas notívagas janela afora. Pois bem, mister sono; tenho outras formas de me ocupar até a aurora. Façamos um exercício de imaginação criativa junguiano, que tal? Antes o banimento inicial: quatro colunas de fogo e fumaça me cercam, o sigilo de proteção ativado, o rosnado do animal de poder. Magickamente equipado, retorno ao monumento do sonho que tive na semana passada, um colossal rosto de pedra de elmo grego encravado na Presidente Vargas. Contemplo o portento. O mistério permanece — está aí desde épocas imemoriais, dissera o guia turístico evocado do mesmo sonho. 

Penso em éons e no tempo profundo.

Mais atrás é o caldo primordial, o oceano de leite em que Vishnu Narayana flutua. Fiat lux! Daí então pólvora e chumbo quente. Big bangue-bangue.

Digressiono. Novamente aos pés do monumento, à sombra daquele rosto, faço P. se materializar. Lembrei de suas fotos no Cristo Redentor e é pertinente encontrá-la visitando também este outro gigante granítico do meu sonho. Está igualmente fascinada. Tocamos a face de pedra e olhamos admirados para cima, para o cume que se perde nas alturas. Está nublado como gosto. Ainda olhando para o alto nossos dedos se encontram, se enlaçam e lubricamente acariciamos a superfície granítica. As coisas evoluem rápido: o boquete molhado, a metida por trás. P. é comida de pé imprensada entre eu e o monumento, goza em gemidos aflitos enquanto lambe devassa a rocha polida.

Estou de pau duro. Eventual resquício de sono desapareceu completamente, o exercício de imaginação criativa degenerando em um roteiro qualquer da Literotica. Hora de entregar os pontos e levantar, afinal a manhã já desponta e ela pede café preto — forte e amargo — e torradas. 

Um colossal rosto de pedra de elmo grego encravado na Presidente Vargas. Creio que o leitor consiga compor a imagem. O sonho ainda está bem vívido. Recordo-me de outro elmo grego que visualizei anos atrás, também com outros olhos, os do espírito. Também um exercício, aqui abertamente mágicko, onde através do espelho negro estimulamos os dons intuitivos e divinatórios.

Faça desta forma: uma superfície preta brilhante, como um vidro pintado, uma tela de tablet, uma superfície de plástico duro — é preciso que seja preto para o efeito, visual e psicológico, ser mais profundo. É necessário recolhimento, é evidente, e bastões de incenso podem ajudar. Caso acenda velas deve postá-las às suas costas para que reflitam, bruxuleantes, as sombras que vão tremeluzindo.

Tudo pronto? Imagino que esteja sentado confortavelmente.

Coloque o espelho negro defronte ao rosto. Caso conheças o zen e o pensar para além do não-pensar, então terá uma ideia do estado de espírito desejado. Simplesmente esteja. Simplesmente respire. Olhos fixos no espelho mas sem se impor nenhuma pressão, como a atriz do poema de Brecht.

E, opa, here we go. Algumas coisas começam a surgir, não? Um caleidoscópio de manchas e borrões. Não tente dar sentido. O que precisa ser dito será. Ainda que "ah é impressão bla blá" é o teu inconsciente se manifestando. Não é pouco, saiba disso.

Identifiquei o guerreiro de elmo grego que vi com Ares, Marte dos romanos, o Senhor Enialos do escudo de bronze. Estático como uma constelação nos céus; de perfil olhando, algo desdenhoso, para baixo. Qual seria o recado do deus? Aqui será preciso recorrer à intuição e à orientação do self. Não é tarefa fácil. A grande obra  — Magnum Opus — do buscador de sinais é um constante olhar para dentro. Impressões alheias podem ajudar, e me refiro a alguém de confiança ou, conforme necessário, ao próprio analista. 

Sem se impor nenhuma pressão, lembre-se. O que é oculto será revelado, disse Paulo aos Coríntios.

Ainda vemos como em espelho mas logo veremos face a face, prossegue o santo.

Como espelho, o espelho negro, reluzente e arcano, diante de nosso rosto. 

Faça o banimento final e desative o instrumento, como quando se aperta o "off" da tevê. Guarde-o embrulhado ou com a face voltada para a parede. E vá cuidar dos afazeres porque como é em cima é embaixo, os sinais se realizam na azáfama da vida diária e eu já versejei sobre ver magia no cotidiano.

A imagem é outra criação da Stable Diffusion.