segunda-feira, 6 de junho de 2022

Caminhos de prata. E do tempo relativo.


Ao longo do asfalto, gotas de cinza tinta. Parecia um caminho salpicado de prata, como são na imaginação aqueles que levam a castelos de reis ou outros portentos de contos de fadas. Sincronicamente, ao virar a esquina já é o ouro de carambolas amarelas pelo chão. Há uma caramboleira por perto. Não sou exatamente fã da fruta — às vezes trago para casa para fazer suco para meu filho, mas é raro. Porém sempre admirei o formato estrelado e, agora, ao passar pela calçada de carambolas caídas, me sinto transitando por uma via láctea de ouro.
 
Sincronicidades... A Carmem no Facebook posta uma aranha-de-prata (Argiope argentata). Vêm-me à memória lembranças da casa de Santa Teresa, com seus vasos e canteiros de plantas apinhados de bichos de toda sorte, aranhas-de-prata inclusive, naturalmente. Gostava do formato em x; parecia como uma incógnita, um mistério, suspenso nos diáfanos fios também prateados à luz da manhã.  

Manhã, sol, ouro e prata. Mas é Sexta da Paixão. Desde a morte do meu filho Glauco se tornou uma data triste, sobretudo quando, como hoje, chove. Penso em Idade Média e canto gregoriano. Um sombrio odor de mofo de claustros antigos toma o ambiente. O corredor é descendente e escuro. Ao fim do caminho o que temos é um sepulcro vazio com a pedra removida. É um jovem de roupas brancas que nos fala agora. "Não temam. Por que procurar entre os mortos quem está vivo?". Eis já agora o mistério pascal. Um domingo que também é medieval mas agora de um viço verdejante de ressurreição.

Isso é dialético. Não temam, não temam.

Já não é mais Sexta da Paixão. Tempo sideral, onde estamos? Quando, melhor dizendo. Penso em uma habilidade terrível que poderíamos ter: a de ir e voltar pelo relógio assim como fazemos ao longo do asfalto salpicado de gotas de tinta cinza. Avançar cinco horas, retroceder outras sete, pular quatro e recuperar tantas três. É dessa relatividade que falavas, senhor Einstein? Como quer que seja estamos no hoje e hoje percebi em mim um dom de síntese. Falam zilhões de palavras para que eu reduza tudo a uma sentença. Ir ao cerne, ao core, à raiz, ao âmago, deitando por terra redundâncias e pleonasmos. 

Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras.

(Eugénio de Andrade)

Lembrei de uma passagem de outro português, Bernardo Soares em seu "Livro do Desassossego". Trata-se de Fernando Pessoa, claro. É sobre isso dos ontens, hojes e amanhãs, reproduzo de memória: importa-nos é o agora, porque um já foi e outro ainda nada é. Pensar assim tem muito de zen. Deixar de lado a azáfama da vida e focar no presente momento.

E fico por aqui, no espírito sintético do texto. 

A imagem do post é de @dirtyscan no Unsplash.