sábado, 3 de maio de 2025

Ruminando lembranças


O Sagitário em minha Lua tem a necessidade de galopar para longe. O cotidiano modorrento faz mal para ele; precisa de movimento e de atividade para estar feliz. Considerando que meu signo solar é Touro, e portanto estabilidade e base, temos uma bela contradição. Opostos que fazem moradia em meu ser, guevarianamente endurecendo sem perder a ternura — seres multidimensionais que somos, precisamos dialogar com nossos extremos.

Acordei desanimado. Algo como uma desaceleração no ritmo da vida. O Sagitário é todo coices. Arisco, quer quebrar as cercas do silencioso tédio e ganhar pradarias, cascos de fogo rasgando os caminhos. O Touro, paciente e sábio, rumina calmo. Essa dialética rural desaparece ao longo do dia. Conversas, fotos, músicas, e eis a vida readquirindo sabor e colorido. Sabadou, enfim.

As referências equinas me fizeram lembrar Laila, que, dentre tantas outras características insuspeitas, é amazona. Infelizmente nunca a vi montar mas posso visualizá-la indômita sobre seu pégaso, a expressão séria que adotava sempre que eu a contrariava. Amazona geniosa. Tampouco verei no futuro porque, por inflexões pessoais que a discrição não me permitiriam comentar, precisou (ao menos assim acredito) me bloquear em toda e qualquer rede social. Laila voou para longe com seu pégaso. Lá no alto, em Órion, talvez olhe cá pra baixo e, altiva, talvez se lembre de nós. Talvez.

E, se falo em lembranças, temos o seguinte. Foi outro dia mais cedo. O quarto em uma suave penumbra, a fraca luminosidade de uma tarde chuvosa filtrada pela cortina. Dobro a roupa de cama. É um cheiro de sabão em pó guardado em armários antigos, como quando nos hospedamos na casa de uma tia velha. Creio que no mundo poucos ambientes podem ser tão aconchegantes. Enquanto dobrava a roupa de cama no quarto durante a tarde chuvosa tive uma estranha sensação de já ter estado ali. Algo que o passado não abarca, ao menos não em medidas mesquinhas de tempo.

Outra lembrança? Pois não, senhor. Aqui estávamos diante da Baía de Guanabara, na alta torre do shopping (não era Laila e sim outra pessoa, fique o leitor sabendo). Tenho uma coisa para você, ela disse, e sacou o presente. Abri a sacola de livraria intrigado. Manuseei o livrinho com curiosidade, um pequeno compêndio filosófico. Ela olhava atenta as minhas reações; achei isso bonito porque tem algo de se importar com o outro, saber o que deixamos no outro. Ela deve ter pensado: ele gostará?, o que ele achará? etc. Eu genuinamente gostei do presente e o consumi — no sentido intelectual, claro — rapidamente. Mas mais do que o presente me recordo, daquele dia, que estava frio e chuvoso e que ela, no ponto de encontro na saída do metrô, pareceu subitamente tímida. Você é mais bonita pessoalmente do que nas fotos, eu disse já depois acariciando seu rosto, geralmente é o contrário. E a Baía de Guanabara, e as pessoas no shopping, e o dia frio e chuvoso, e os beijos e o pescoço dela que eu atacava com voracidade. Você me deixou muito molhada com seus beijos, ela me contou depois à noite. 

O que seria de nós sem essas pequenas lembranças? Já me deparei com pessoas "oito ou oitenta", incapazes de mediações ou equilíbrio. Exigem apenas o que é épico. Querem tudo ou nada. Pessoas assim jamais perceberiam o encanto de uma única tarde chuvosa de troca de beijos em um shopping da Zona Sul. Caso não possam ir além, não serve — querem tudo ou nada. E seguem a vida infelizes, cara feia, semblante pesado, desprezando a generosidade da vida em colorir nossos momentos com tão expressivas sensações. Ainda que transitórias, a própria vida, como ensinou Heráclito, é um transitório "tudo flui". Aceito e recebo isso. Não é abrir mão do épico, mas ver o épico em cada pequeno momento.